sábado, 17 de março de 2007

Escutismo católico e hibridismo congregacional

Sempre tive alguma apreensão em relação ás opções confessionais no âmbito do escutismo. Sendo católico, pratico escutismo católico por via da minha opção íntima e do meu contexto. Não tenho dúvidas que se nascesse na Turquia, seria muçulmano, já que a vontade dos meus paizinhos em ir contra a corrente nunca foi grande. Poderiam ter sido uns arrivistas, poderiam ter sido um casal sério e ter ensinado tudo o que sabem sobre métodos contraceptivos naturais e portanto mais falíveis que os outros todos. Também eu estou em pecado mortal por concordar que a minha mãezinha tivesse a inteligência de pedir que lhe laqueassem as trompas de falópio tempos depois de me parir. Portanto, para quem queira desde já parar de ler este texto, sou um católico desses que merecem pouca credibilidade, desses que discordam com o papa e votam na esquerdalha com posturas anti-clericais, que concorda que os crucifixos sejam removidos de todas as salas de aula, que apoia o fim do celibato dos padres e até sabe porquê. Não acredito nos milagres de Fátima, acho ridículo que os pastorinhos tenham resolvido atar-se para ajudar os meninos no terceiro mundo, abomino o catolicismo de círculo fechado, ermida e senhora que apareceu no monte. Esta multiplicidade esquizofrénica de manifestações de fé cria ruído, por isso devíamos ter menos virgens, santos, pagelas e capelas. Precisamos de mais vivência (já não digo resistência...) e menos insistência.

A região de Braga e a região do Porto do CNE decidiram convidar a Irmã Madeleine Bourcereau (e a segunda também convidou Bagão Félix, o maior pai de família português, que como todos sabemos é benfiquista, católico e amigo do CDS) para dissertar sobre escutismo católico e o centenário do escutismo. Ora, para quem gosta de falar de história e enquadrar as práticas escutistas, a oportunidade é interessante. Porque há um problema grave no estabelecimento de prioridades naquilo a que se chama escutismo católico. É preciso perceber se aquilo se faz é mais escutismo ou mais catolicismo. Exaltar as associações de escutismo católico como movimentos de evangelização é reduzi-las a um padrão unidimensional, mormente quando sabemos que amiúde, a qualidade da prática religiosa no seu seio é baixa, ligada essencialmente a rituais e não a vivências, associada a um sincretismo de que já falou o Padre Joaquim Nazaré, que segundo o meu ponto de vista é natural, dada a avalanche informativa que nos alveja. Essa avalanche, porém, não contribui para um maior conhecimento, mas promove a adesão baseada na ignorância. Ninguém pode partilhar de uma verdade que não conhece e só nesse sentido é que acho que o escutismo confessional faz sentido. A partilha de uma verdade.

A irmã Madeleine não concordará comigo, até porque quem publica um livro como este, sabe de certeza muito mais do que eu sobre o fundador dos Scouts de France (que escutismo católico é que ele fundou?). Mas ser jesuíta, admirador de Teresa de Ávila (sobre quem se fez um filme) e de Teresa de Lisieux, também chamada Teresinha do Menino Jesus (o que suscita certa sugestão pagela-capela), ser escuteiro e a intenção de juntar tudo isso numa congregação religiosa não pode ser associada à fundação dos Scout de France. Há que evitar unanimismos e separar águas. O escutismo confessional faz sentido, mas falta saber que contributo tem dado essa congregação religiosa para o desenvolvimento do escutismo católico, entender que sentido tem ela nos dias de hoje e mais do que isso, perceber por que motivo devemos dar mais atenção e destaque à Irmã Madeleine do que a outro religioso qualquer. Para que não nos encerremos mais uma vez no círculo fechado do costume.

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