quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

A luta desigual...

Vida ao Ar-Livre...

Será assim tão estranha a expressão em pleno século XXI? Será um assunto tabu para as diversas pessoas deste planeta?

Pois bem, resolvi escrever esta pequena reflexão pensando na sua vertente educativa, cada vez mais deturpada ou proibida por força legal e dos diversos instrumentos jurídicos presentes no nosso país.

Sempre me lembro do trabalho invisível que o brincar na caixa de areia me proporcionou, das constantes esfoladelas e arranhões presentes na minha infância e do uso do desinfectante de Deus – A saliva. Recordo com saudades os tempos em que me era permitido jogar à bola no meu bairro, andar de bicicleta para ir fazer os recados à minha mãe e ainda mais as explorações do desconhecido Mundo Natural.

Que saudades, do dilema entre Gripe ou um joguinho de futebol no pátio descoberto do liceu, e quando o dilema era subir a uma árvore ou ir para casa jantar...

Bem sei que cresci, sorte tinha o Peter Pan que escolhia o quando sair daquele Mundo!, mas aprendi que aqueles tempos foram fundamentais na minha formação como cidadão deste Mundo.

Com as minhas expedições aprendi a respeitar a Mãe Natureza, a preserva-la, a acarinha-la, a sentir-me em casa em qualquer canto e acima de tudo conheci-me a mim mesmo. Por muito poético que esta descrição possa parecer, sofre sempre do defeito do efeito descritivo uma vez que tenho sensações e momentos de aprendizagem para os quais não encontro palavras que consiga usar para contar esses episódios.

Mas a sociedade actual luta desesperadamente pela preservação destes locais sagrados de educação, esquece-se é de promover o contacto das nossas crianças e jovens com esta “escola”. Será o medo do desconhecido que nos leva a privilegiar as consolas de jogos de vídeo, os aparelhos de DVD e as idas ao Macdonald’s a uma boa churrascada em família?

Vejo-me na actualidade de mãos atadas, apesar de querer usa-las na educação de crianças e jovens. É verdade sou daqueles senhores, que apesar de terem crescido e estarmos com um friozinho considerável veste os seus calções e meias até aos joelhos num qualquer sábado de Janeiro.

Também sou daqueles que leva um pequeno grupo de crianças ou jovens para “o meio do mato” em pleno Carnaval, ou que procura fugir do Algarve com estas mesmas companhias no caloroso mês de Agosto. Pronto apanharam-me, não consigo esconder que sou escuteiro.

Por força de diplomas legais vejo esta prática, assim como outras semelhantes, condenadas a dificuldades acrescidas por parte do nosso poder legislativo.

Se por um lado, por força de diplomas legais, somos obrigados a pedir inúmeras autorizações a diversas entidades (para que conste: Delegado de Saúde, Forças de Segurança Locais, Bombeiros Locais, Autarquias e Donos dos Terrenos), verifica-se que o processo de licenciamento de um acampamento ocasional nem sempre é fácil e barato como se pretende.

Digo isto, convicto das mais valias inerentes ao movimento idealizado por Baden-Powell, o da educação pela Acção, da Responsabilização Gradual do Jovem e pela aplicação de um método de educação não-formal. O actual quadro legislativo deixa a qualquer uma das entidades responsáveis pelo licenciamento a capacidade de impedir a realização de qualquer actividade ao ar-livre, mesmo as de âmbito Escutista ou Guidista.

Vejamos a actualidade dos factos:

Comecemos por falar de estilos de vida, quando falamos de vida saudável inconfundivelmente verificamos que neste novo século a obesidade infantil está cada vez mais na moda. Crianças e jovens com vidas sedentárias, com meios de aprendizagem tecnologicamente desenvolvidos são impostos como forma de acesso ao conhecimento e como se não bastasse a felicidade efémera realiza-se na aquisição de um telemóvel 3G, de uma consola ou de um simples leitor de MP3. De preferência trancados em casa, em frente a um ecrã de televisão e sem amigos reais da sua idade (para que quando podemos ter muito amigos em salas de conversa virtuais).

A criança e jovem do século XXI deixou de praticar actividade física, deixou de sair de casa e cada vez mais come mal. Serão os pais que não querem ouvir birras, ou será o stress diário que impõe soluções rápidas para evitar confusões?

Quem lucra com isto, serão as crianças que cada vez mais cedo isolam-se da companhia dos seus pares sociais ou serão as multi-nacionais produtoras destes equipamentos de isolamento?

Pergunto então, será mais perigoso comer hambúrguer ou subir a uma árvore?

Ao sobre protegermos os novos estamos a criar pessoas que no amanhã terão menos resistência a infecções, que serão menos conhecedores das suas capacidades corporais, que serão certamente dependentes de medicamentos para tudo e pior que isso – Que desprezarão a vida baseada na aprendizagem. Quem não se lembra das várias experiências de tentativa erro feitas em tenra idade, quantas vezes foram as que um papagaio ou um avião de papel voaram à primeira?

Estaremos realmente a proteger os nossos jovens, ao proibir o contacto com a descoberta do fantástico Mundo Natural. Ou será apenas uma desculpa, para que estes não sejam apanhados em acidentes de construção. O jovem de hoje, cada vez menos, conhece-se a si mesmo e não sabe utilizar o seu corpo como forma de alcançar êxitos.

Começo a conhecer aos poucos a frustração de campeões do ar-livre, pois simplesmente o que interessa em matéria de corpo é automatizar e formar Campeões Olímpicos. Já ninguém é campeão de atirar pedras a um lago e fazer peixinho, já ninguém é campeão de trepar a árvores e muito menos campeão de apanhar sapos.

Quem é que nunca correu um risco – Ninguém!

Quem é que nunca esteve em perigo – Ninguém!

O contacto com a Natureza e a vida ao ar-livre, apenas nos proporciona uma rica escola. Escola onde se aprende a viver apenas com o essencial, a dar valor aos pequenos nadas esquecidos entre o betão das cidades. Mas escola esta também condenada aos caprichos de quem vê apenas um lado da lei.

Quem impõe todo este conjunto legal pressupõe que o nosso país não sobrevive de taxas, impostos e mesquinhices. Qual a autarquia que não aproveita o seu estatuto de licenciador de acampamentos ocasionais para cobrar avultadas taxas de licenciamento, poucas estou certo. Qual a autarquia que tem orgulho em registar o maior número de acampamento ocasionais desburocratizados em seu território, que disponibiliza-se para tratar deste assunto ajudando os jovens a crescer – estou certo que uma minoria.

Para que estas brincadeiras continuem vivas são precisos parceiros compreensivos, que possam dar as mãos e que façam efectivamente caminho connosco. É preciso não procurar um regime de excepção a cada nova lei referente à vida ao ar-livre, mas sim procurar que as novas leis mesmo universais e abstractas sejam realistas e passíveis de serem cumpridas no Portugal actual.

É importante que deixem os jovens ter o contacto com a natureza, que os deixem esfolar-se e arranhar-se à vontade. É assim que aprendemos a levantar-nos – CAINDO.

1 comentário:

Aranis disse...

Concordo com a perspectiva e acho realmente lamentáveis os limites legais com que nos deparamos cada vez que tentamos ser diferentes.
Parece que até as autoridades fazem com que sejamos mais uns poucos miúdos em frente à televisão.

Mas a mim, preocupam-me mais 'as correntes' que como elementos e associação continuamos a prender.
Esta questão das burocracias e esta permanente luta desigual só demonstra que, cada vez mais, temos de ser capazes de adoptar novas estratégias e ser capazes de enfrentar novos desafios.
Para mim, o problema não está só nos miúdos, mas na inércia que atravessa todo um Movimento e a total incapacidade que se gera desde os mais pequenitos aos maiorzinhos.
Continua a faltar persistência, ideias novas e vontade para que se consigam ultrapassar os problemas e arranjar soluções...continua a ser mais confortável para todos ficar pela Sede ao Sábado à tarde.

Mas isso são outras contas...

Canhotas